24 de setembro de 2009

Máquinas

Quando eu era puto, pensava que os bonecos das máquinas de jogos, daquelas de pôr moedinha, eram subordinados das empresas que as fabricavam. O conceito é relativamente simples: Quando eu me dirigia a uma dessas máquinas, de porrada, por exemplo, lá estavam os bonequitos a treinar, a fazer uma demonstração do jogo com uma coreografia mais que velha. Quando eu metia lá a dita moeda no insert coin, as personagens passavam a ser minhas empregadas. Eu escolhia um deles, aquele que me parecia mais adequado para assestar nos outros, que, embora fossem todos colegas e amigos, não tinham outro remédio, a minha moeda assim o obrigava. E lá começava uma sangria pixelizada onde voavam socos virtuais e pontapés digitais e chapadas em código binário. Ninguém se aleijava a sério, fartos disso estavam eles. Notava mesmo uma ponta de satisfação na cara do Boss do nível, quando era eu a levar no lombo depois de despachar os capangas todos dele. Lá via o gajo a passar por cima de mim de braços abertos, no ecran aparecia o seminal “game over”, e o homem desafiava-me a meter mais níquel. Mas eu nunca metia mais dinheiro, perdi e acabou... porque sabia perfeitamente que se eu insertasse mais uma coin durante o jogo, o Boss era obrigado a deixar-me ganhar, por uma simples questão de política empresarial e gestão de jogos: se um desgraçado largar sempre uma moedinha com o mesmo inimigo, porque este não o deixa ganhar, ele nunca mais pega na máquina, e, ainda por cima, vai dizer aos amigos que a “máquina não presta, tem um inimigo final lixado, nunca passei do gajo”. E a máquina afunda-se na solidão, apanha teias da aranha na ranhura e candidata-se a ir passar o resto dos seus dias no fundo de um armazém poeirento, cemitério das “Donas Elviras”, máquinas que deram barraca, máquinas de flippers que já não flipam. Ou seja, é falta de ética meter moedinha quando se perde a meio de um combate com o boss, a não ser quando ele está realmente a passar das marcas.


Ainda hoje, puto sou na mesma, a minha visão pouco se modificou. Continuo a afirmar inequivocamente que a máquina usou de recursos pouco lícitos; como é que é possível que aquele carro anda sempre mais que o meu, como é que aquela granada me atingiu se eu estava completamente abaixado, como é que aquele leão sabia que eu estava escondido ali atrás? Perco. Fico lixado. Carrego repetidamente no botão dos tiros ou dos mísseis, como manda a ética, para passar mais rápido a contagem decrescente para meter a moeda se quisesse continuar. Viro as costas e vou-me embora amuado. Até outra máquina.



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