12 de agosto de 2009

De profundis, Gripe A


Viseu tem algo de fantasmagórico pelas 3 da manhã. É uma cidade vazia. Vazia, mas não silenciosa... Ouvem-se os grilos, ouve-se o grilar dos semáforos para avisar os cegos, que não andam na rua nessa hora. Todas as luzes estão acesas, e no verão essas luzes estão cheias de preguiçosos mosquitos à volta. Os monumentos lá estão, rijos e intemporais as casas bonitas, os azulejos, as calçadas de granito. E por vezes, mesmo no verão, cai uma neblina branca cheia de mistério que abraça toda a cidade e a envolve num manto de estranha pureza.
Tal como o vírus da gripe A que me está a comer as entranhas.
De um momento para o outro, toda a minha pele me dói, e as articulações também. Mau prenúncio... E de repente, de noite, é que o poder do vírus se manifesta no seu mortal esplendor. Deito-me, e não durmo. Estou com arrepios de frio, e tapo o meu corpo banhado em suor com os cobertores. O meu corpo aumenta a temperatura de propósito, e diz-me que mesmo assim estou com frio para eu aquecer ainda mais. Um anti-pirético é o que se deve tomar nestas situações... pirético vem de pyros, a palavra grega para fogo, donde provêm também as palavras “pira”, onde se queimavam os livros, e “pirómano”, as pessoas que deitam fogo às florestas para honrar uns druidas de tempos sem fim. O meu corpo aquece então para tentar matar o vírus, porque ele aguenta menos o calor que o resto do meu corpo.
Viseu, lá fora, continua coberto com o seu manto diáfano de partículas de água, partículas essas que são no entanto substancialmente maiores que o vírus que me serve de inquilino. Sei que, se o curso das coisas continuar, as minhas noites vão ser assoladas por delírios oníricos, do género de estar a ser perseguido por Mosqueteiros até me afogar em areias movediças feitas de molas da roupa. E volto a acordar (será que adormeci?) banhado em suor.
Lá fora, ouve-se o ocasional roncar de uma mota lá longe, na circunvalação, ao volante vai um homem que desafia a morte e as autoridades a fugir de uma realidade que lhe escapa. Cá dentro, o vírus continua a sua cruzada para me derreter o espírito, como pitbulls com sida. Viaja pelas minhas artérias, sobe-me pelas coronárias para me tomar o cérebro de assalto. Liga-me e desliga-me as ligações sinápticas, troca-me os fios que me mantém em contacto com a sanidade. E a temperatura não pára de aumentar.

A quem estiver a ler isto neste momento, aconselho vivamente a lavar bem as mãos depois.

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