7 de novembro de 2009

Casamento.

Parece que existe uma teoria que postula a razão das datas dos casamentos serem, na sua maioria, em Maio. E qual é a razão das noivas levarem tradicionalmente o Bouquet, o ramo de flores. Parece que tem a ver com o facto de ser a altura da polinização das flores, e que levar um ramo de flores ajuda a camuflar o cheiro da noiva.
Aparentemente, a higiene na altura não era a mesma que é hoje, e tomar banho era um acontecimento.

Tudo isto para explicar como são os casamentos hoje. Não estou a duvidar que toda a gente sabe como são os casamentos; todos nós passámos por eventos desses. Desde bebés, em que éramos todos apinocados, e ninguém nos censurava se nos babássemos para cima do leitão (aliás, nem agora). Quero apenas formalizar a coisa, descrever um padrão (acredito que haja vários), denunciar a exactidão da festa que é, e que se for boa, é de arromba.

E por isso vou descrever esse evento. Escrevo na primeira pessoa do plural, por uma questão de simplicidade narrativa.

Chegamos à missa, meia-hora depois de ter começado. A ressaca é mais que evidente. No caminho para lá, várias esplanadas de cafés/pastelarias normalmente vazias num Sábado ou Domingo de manhã estão cheias de personagens, normalmente miúdos na casa dos vinte, todos bem vestidos, todos com gel na cabeça e de óculos escuros. Estão às dez da manhã a malhar finos, ou turbos, que é martini com cerveja. Ir-se-ão juntar aos restantes convidados, no fim da missa, já num belo estado.

Chegamos ao sítio estipulado (depois de nos tornarmos visíveis na missa “olha viste como afinal ele veio?”), e começamos a distribuir cumprimentos por alguns conhecidos, nada de muito visível. Queremos manter o baixo perfil.

Toda a gente está bem vestida. Observamos a prima, como é possível ela já estar tão crescida. Está uma mulher feita. E o primo, a última vez que estive com ele estava com ele aos braços. Agora é mais alto que eu, tem cabelo ao lado, e diz com uma voz muito grossa “estou a tirar engenharia mecânica no Porto”. E depois o miúdo já diz palavrões, como se fossem unhas num quadro de lousa: “Ontem estavas todo fodido, pá”, a rir-se.

Decide-se quem vai à frente de carro. Prioridade para quem diz saber onde é o sítio, depois para quem conhece alguém que sabe onde é o sítio, depois para quem tem GPS, depois para o mais convincente.
Chegamos ao copo d’água, e é o animal social. Toda a gente a dirigir-se ao balcão das caipirinhas, e depois ao das bebidas brancas, a pedir gins tónicos e uíques e licores Beirão. Isto às três da tarde, em jejum. Nós optamos por um joy de laranja.
Começamos a comer os aperitivos, obviamente, e a manter conversa com todos os comensais. Em pé, sentados nas cadeiras, ao balcão, lá fora. Formam-se grupos, envolvendo as pessoas mais carismáticas. Num casamento é fácil vermo-nos livres duma conversa qualquer, na mesma medida que é fácil meter conversa com alguém. “Vou só ali buscar mais caldo verde, até já”, ou “então como vai o bodypump”.

O cássico num casamento será sempre aquela coxa de caranguejo frita, o rissol, o croquete, a salada de polvo, a salada de orelha, a dobrada, a chouriça, a morcela, o camarão, a santola.
Dirigimo-nos ao cartaz que nos indica as mesas como tropas à procura da localização.
Às vezes só têm os primeiros nomes (porque não sabem os outros) e vemos nomes assim “Quinzinho”, “Janeco”, “Tarzan” numa mesa. Se ficarem todos juntos, é a mesa que está sempre a pedir que os noivos se beijem, são os que bebem mais e partem mais copos.
A atmosfera começa a desanuviar-se, e o facto de as mesas terem seis garrafas de vinho tinto e seis de branco, antes de vir qualquer comida propriamente dita, às seis da tarde, ajuda. E sentimos alguma dificuldade e embaraço quando, enquanto esperamos pela comida, temos de nos levantar para ir à casa de banho, e a coordenação já não é a mesma desde a última vez.

E a partir de certa altura, já toda a gente é amiga, e conhecemos os convidados da noiva ou do noivo de qual for que não conhecíamos. Jogamos à sardinha com algum miúdo, alguém foi dar uma volta no Subaru de alguém, alguém anda à porrada com alguém por causa de algum mal entendido, as velhotas acham um piadão aos velhotes a dançar. Falamos com miúdas que, apesar de já bem dentro da puberdade, e fazendo disso gáudio, podiam ser nossas filhas; e a quem se dissermos que também gostamos de Tokio Hotel podemos ter hipótese de fazer algo que nos levará à prisão.

O andamento vai alto, a animação também. Bebemos copos com os membros da banda, que serão úteis na altura de nos dar boleia. Convidados passam com os guardanapos na cabeça, as gravatas atadas à testa. Alguns abraçam o noivo e choram, algumas abraçam a noiva e também choram. Sermãos subtis ao genro e nora, charutos distribuídos pelos homens e cactos às mulheres. Crianças que já beberam quinze cafés, porque os empregados se estão a marimbar. Empregados esses com piercings, que fogem subrepticiamente do serviço para ir fumar canhões para o parque de estacionamento.

Tudo está alegre, e ninguém se arrependeu de ter ido. Come-se creme de legumes, depois bacalhau com natas, depois vitela assada com castanhas, depois o leitão. Tudo com nomes muito mais elaborados, obviamente. Depois a sobremesa e os aperitivos, e voltamo-nos a levantar e cirandar pelo local, e toda a gente está mais lenta do que antes, e mais melada e mais franca. Os noivos cumprimentam os convidados.
A noiva está geralmente muito maior que o noivo; alta, alva e resplandecente, com as borbulhas camufladas com base. O noivo anda às voltas, a rir-se para toda a gente, normalmente muito mais acessível que a noiva. Nas mesas circulam piadinhas sobre como será a noite de núpcias, e é a altura, mais calma, onde se perguntam aos noivos onde vai ser a lua-de-mel. Emitem-se opiniões de agrado e conhecimento "Já lá estive em 2002, gostei muito, cuidado com os gajos do mercado".

Fazemos as despedidas. Brincamos com as crianças, que estão rabugentas do sono e dos dentes, e brincamos com toda a gente.
E depois vamos para casa, mal dispostos da tanta comida que se pode chamar igualmente de almoço e jantar.

Existe o follow-up: os noivos aparecem de visita uns meses depois, a noiva grávida de mais meses do que o tempo que passou desde que o casamento deixava suspeitar. E agradecemo-nos mutuamente a visita, vai tudo para o seu sítio, e depois para a semana que vem temos outro casamento.

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