17 de janeiro de 2011

Maurício


Quando Maurício deu conta de si (acordou?), não se mexeu durante muito tempo. Uma eternidade, pareceu-lhe. Não sabia de estava a dormir de olhos abertos, ou acordado de olhos fechados, ou ambos. Já lhe aconteceu mais que uma vez, em cirtcunstâncias semelhantes, lembrar-se de um episódio do MacGuyver em que este tinha de desarmar uma bomba feita por um miúdo com problemas, filho do seu antigo professor de Física. Esta bomba tinha um mecanismo que a impedia de ser transportada com facilidade: tinha um pequeno prato de vidro, rodeado de pontas de fios de metal, e com uma pequena porção de mercúrio no meio. Se a bomba fosse transportada, ou sofresse um pequeno embate, a gota de mercúrio tocaria nas bordas do prato de vidro, e consequentemente nos fios de metal, completando o circuito e detonando-a.
E porque é que Maurício se lembrava desse episódio do MacGuyver em particular? Em primeiro lugar, porque era um fã. E depois, porque a sua condição o fazia lembrar dessa bomba e do seu mecanismo de detonação. Na verdade, a sua cabeça lembrava-lhe o mecanismo. O seu cérebro lembrava-o de uma gema enorme de mercúrio, precariamente guardada dentro do seu crânio. E qualquer movimento que fizesse, que vencesse a inércia na gema de mercúrio, esta entrava em contacto com a parede interna do crânio. E não despoletava nenhuma bomba (era a diferença para a bomba do MacGuyver), mas despoletava sim uma sequência de eventos horríveis, como uma dor latejante e excruciante na cabeça, os globos oculares a querer sair ritmicamente das órbitas, como se o coração partilhasse o mesmo espaço que o cérebro. E uma dor difusa por todo o corpo, não tão excruciante, mas uma moleza gripal, como se tivesse levado uma malha no dia anterior.
E Maurício tinha de se mexer, para não ganhar escaras. A luz que vinha lá de fora, entre as frestas da persiana, não era suficiente para descortinar que horas seriam, ou se seria de manhã ou à tarde ou mesmo à noite.
Aliás... Maurício nem sequer sabia onde estava. Tudo lhe era alheio. A cama, a almofada, os cheiros. não sabia onde era a porta. Sabia onde era a janela, apenas porque conseguia ver os risquinhos de luz azulada que a persiana permitia entrar. Parecia um texto em código Morse, só com ssss.
Normalmente, nestas alturas, as memórias começavam a vir a conta-gotas, mas desta vez não. Inconscientemente, e com esforço, levou o braço ao chão e apalpou até encontrar uma garrafa de plástico meia cheia. O instinto disse-lhe que lá estaria (talvez lá tivesse ido durante a noite, ou aliás durante o tempo em que esteve a dormir.
Bebeu, era água um pouco tépida. Bebeu pouco, pois a maior parte da água era absorvida pelas mucosas. A sua língua sentia-se quebradiça contra um palato feito de cera, e agora absorvia água egoisticamente como uma esponja. Bebeu o resto da garrafa, e depois voltou a deitar-se com esforço, fazendo o som de um bidão meio cheio.
Mas afinal o que é que se passou?

Em Maurício Não Sabe de Si, por Maurício Leal.


Sem comentários:

Acreditam:

Seguidores