17 de agosto de 2010

Comer Terra.

Ontem lembrei-me, quando estava a nadar no mar, da quantidade de lixo que existe em todo o mundo. Ou aliás, só naquela praia e naquele mar onde eu estava. A massa de água é suficientemente grande para diluir o lixo, por mais tóxico ou nojento, para níveis residuais. Mas o facto estava lá: um vez vi um penso higiénico a boiar no mar. Mulheres vão com o período para o mar, e de certeza que de vez em quando se escapa uma gotinha ou outra. As pessoas mijam no mar, isso é de certeza. Eu próprio o faço, e considero-me uma pessoa mais limpa que a média. E na praia há beatas de cigarro, tampas de taparuéres, sacos de plástico, caroços de cerejas, cascas de melão, meloas, melancias e outros cucurbitáceos. E isto só na praia, se for preciso na praia em que estou. Os corpos das pessoas deixam rastos oleosos no mar por causa dos cremes de protecção. Todos cospem para a água, e espremem borbulhas enquanto lá estão. Nalguns filmes, há pessoas que deitam as cinzas dos entes queridos para o mar, há derrames de petróleo, os esgotos vão todos lá ter.

O que leva à pergunta óbvia: se houvesse um extraterrestre tão grande que, para ele, o nosso planeta fosse do tamanho de pêssego, ou de uma romã, e comesse o planeta, a que é que este saberia?
Temos de levar em linha de conta as coisas que sabem bem e que sabem mal, e fazer uma média estastística para saber se a Terra saberia bem ou não.
Ao comer o planeta, temos de comer também os caixotes do lixo cheias de fraldas sujas, cabeças de pescada, sacos do Lidl com esparguete à Bolonhesa com semanas de existência. As casas de banho da feira de São Mateus, que por dentro cheira tanto a mijo que o amoníaco fere os olhos. Temos de comer as pastilhas elásticas coladas ao alcatrão, os acampamentos de ciganos, os vómitos dos estudantes, aqueles cagalhões com a casca ressequida que se encontram na mata, cheios de mosquitos, ao lado dos frigoríficos abandonados e colchões manchados que as putas usam no Verão. Temos de comer pensos higiénicos usados, bidões de gasolina, sapos e plantas venenosas, unhas cortadas, os fetos conservados em formol dentro de frascos nas universidades, pneus, notas de 5, chulé, todos os cadáveres que já houve, cacos do nariz, cera dos ouvidos, cotão do umbigo, animais mortos, vegetais podres.
Isto é a parte que deve saber mal.
Depois há a parte que deve saber bem: ao comer a Terra, estamos a comer todos os leitões assados que há no mundo. Todas as frutas tropicais, cerejas, uvas, pão quentinho acabado de fazer, colegiais acabadas de sair do banho, canja de galinha, frangos assados, canapés de caviar, folhados de salsicha, aqueles manjares sumptuosos que estarão a ter lugar algures nas Arábias, com porcos tostados com laranjas na boca. Todos os bebés gorduchos, todo o vinho que há em todos os tonéis, e cerveja também. Todo o café torrado, todo o chocolate, todas as gomas da Hussel, as farturas quentinhas, gelados, algodão doce, bombocas e mousses.

A que saberá, então, a Terra se a comermos?
Eu tenho a minha opinião. Eu acho que a Terra sabe a ferro. Isto porque o ferro é o elemento mais abundante. Eu acho que, se esse extra-terrestre comer o planeta, e tiver o sentido do paladar semelhante ao nosso, primeiro tem de o comer com cuidado senão queima-se, porque a parte de dentro da Terra é feita de ferro fundido. Saberá então a ferro a Terra, talvez com uma pitada de sal por causa dos oceanos. Terá a crosta estaladiça e o interior viscoso, e terá de ser preciso sorver pelo canto da boca, como um pastel de Vouzela, para não pingar a galáxia ou a roupa.
Depois cuspirá o núcleo de ferro sólido para bem longe, como um caroço de uma nêspera, para lá da cintura de asteróides, e depois, se sobrar um espacinho, talvez partir para uma sobremesa, um Mercúrio ou um Marte.

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