3 de julho de 2010



Octávio estava sentado ao computador.
Compenetrado e concentrado, mesmo com os headphones que lhe cobriam os lados da cabeça conseguia sentir a intimidante presença da sua chefe atrás dele.
Quarentona segura de si própria, divorciada havia anos porque “não conseguia conciliar o trabalho com as suas obrigações de mulher”, baixa mas elegante, de seios fartos e opulentos que não se dava ao trabalho de esconder, olhos castanhos e dentes manchados por anos de café e tabaco, sorria com aprovação para o trabalho de Octávio. E este sabia-o. Era bom naquilo que fazia.
Quando acabou, recostou-se na cadeira e passou vigorosamente as mãos pela cara e suspirou, porque era assim que achava que as pessoas faziam quando terminavam algo difícil e exigente.
— Olá chefe. Não sabia que estava aí — mentiu Octávio.
— Está a correr bem, hoje — disse Patrícia, calmamente.
— Sim, mais ou menos — disse Octávio, numa nota mais alta e com um esgar de desprezo.
Octávio cedo aprendeu que, no mundo empresarial, de forma a menosprezar mais eficazmente os fracassos, havia que menosprezar os sucessos de igual forma. Na verdade, o Kill/Death Ratio do dia foi de 2.41. A sua média mensal era de 1.8, enquanto que a média da equipa era de 1.2.
— Você está muito forte nos mapas do Egipto e do Ship. Isso é bom, dá muitos pontos. Mas mesmo assim acho que precisa de melhorar nalguns aspectos, por isso vim aqui falar consigo.
— Então, chefe? — disse Octávio, rodando lentamente a cadeira na sua direcção.
Octávio tinha respeito por Patrícia. Patrícia foi número um durante dois anos no Counter Strike, foi a fundadora do clã mais bem sucedido a nível europeu do Urban Terror, e foi a pioneira a matar o inimigo final do Wolfenstein sem a rotativa.
— Você foi chamado porque tinha uma boa reputação em alcance. Como apoio necessário cá atrás com fogo pesado enquanto os nossos batedores faziam estragos lá à frente. E lamento dizê-lo, Octávio, você é uma miséria com a AWM.
— Compreendo, chefe — dizia Octávio. Parecia que já tinha o discurso preparado. — Mas digo-lhe já, sniper não compensa. Mesmo no Mónaco a minha SCAR Light é mais eficaz. Mato muito mais gente.
— Eu sei, Octávio. — Patrícia também parecia preparada. Como sempre. — Mas não é só as kills que contam. Você se for bom com a sniper, mata menos gente mas consegue um melhor K/D.
Octávio concordou. Ultimamente, admitia, dava-lhe mais gozo entrar com Uzi ou a MP5 para dentro dos edifícios do Mexico ou do Fortress e triturar quem lá estivesse dentro, do que ficar cá atrás com a AWM, ou mesmo com a nova DSR-1, a dar apoio à malta lá da frente.
— Você vai ter uma formação com o Teixeira. Ele é o melhor de nós com sniper, e ele pode-lhe dar umas boas dicas. Entretanto, quero que você prepare uma formação para dar à nossa equipa sobre granadas. Você consegue grandes resultados com granadas que mais ninguém consegue.
— Tudo bem, chefe.
Octávio encolheu os ombros com modéstia, tal como estava treinado. Mas sabia que era verdade. Já se imaginava a preparar os slides, com o óbvio contentor no Ship, a varanda no Mexico, a passadeira no Train. Às vezes eram aos três de cada vez.
— Preciso do plano até Segunda.
Octávio suspirou esta vez, menos imperceptivelmente. Estava perto do fim de semana, e Octávio já se imaginava a tirar a T-shirt e os calções, descalçar os chinelos, vestir o belo do fatinho e ir vender esquentadores até Domingo à noite.
Mas já não vai ser possível.



Empregado do mês.

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