E isto aconteceu-me hoje. Uma mulher gorda tinha um infante ao colo. Não era bonito nem feito, apenas esquisito. Porque os bebés, aparentemente, não podem ser feios. Este tinha uma cara que parecia um quadro de Picasso. Estava a espumar uma coisa qualquer verde da boca, e seu bracito esquerdo parecia sem vida. Estava em mau estado o garoto, pensei eu, mas a mãe assegurou-me que ele é mesmo assim. Comido, mastigado e cuspido pela vida, com nem um ano de existência. Olhava para o infinito, e de vez em quando pareceu-me que ele suspirava. Como a mãe se chegou ao pé de mim, segurando o miúdo com uma mão como se fosse um algidar de roupa, agitando o garoto para cima e para baixo (e o seu bracito bambo para cima e para baixo, como os gigantones das cavalhadas), e me veio pedir um cigarro, percebi logo que ele queria conversa. Quase me empurrava o garoto para cima. Fiz conversa com ele, então.
— Ai que bebé tão bonito! Como é que te chamas?
E lá dizia a mãe, depois de sussurar um “Zassim”.
— Chamo-me Manel — dizia ela com os olhos muito abertos e voz estridente, carregando nas vogais.
— Então e o que estás aqui a fazer? Estás doente? — pergunta retórica, que fiz com a mesma vozinha aguda e retardada.
— Zassim: Sim, o corno do meu pai deixou-me cair do tractor e eu tenho um dói-doi! — Estranhei um bebé ter este tipo de linguagem, com procuração ou não.
— Então como é que isso foi acontecer?
De notar que, nestas conversas, ambos os interlocutores olham para o bebé a rir e com os olhos muito abertos. A partir de certa altura, torna-se sinistro.
— Zassim: Ele ia bêbado logo de manhã, entornou um garrafão de vinho que ganhou na sueca ontem e resolveu-me levar para um passeio, o grande cabrão!
— Ah...e... e está tudo bem contigo? — Ainda estava a sorrir.
— Zassim: Espero bem que sim, senão a minha mãe vai buscar a cacadeira do avô e vai espetar um zagalote nos cornos do meu pai!
— Ok... Então vá, as melhoras!
— Zassim: Xau senhor!
— Adeus minha senhora. As melhoras para o menino.
— Adeus.
2 comentários:
sim.
castanho.
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